ATENÇÃO: A divagação a seguir apresenta
uma perspectiva autoral e impopular permeada por sarcasmo e alfinetadas que
pode incomodar alguns leitores. Continue por sua conta e risco.
Extremamente aclamado em meio a sites
avaliativos e críticos reputados, indicado a 13 estatuetas do Oscar, vencedor
do Leão de Ouro em Veneza, de Melhor Filme no Critics' Choice Awards e do PGA
Awards (prêmio do Sindicato de Produtores), detentor do Globo de Ouro de Melhor
Direção e de mais uma enxurrada de elogios, prêmios e ovações, A Forma da Água
é mais um que prova que troféus e prestígio "especializado" não
garantem um bom filme.
Mistura mal-feita de King Kong com A Bela e a
Fera (sem falar da acusação de plágio acerca da peça Let Me Hear You Whisper de
1969, e da outra acusação que envolve o curta holandês de 2015 The Space
Between Us), o longa parte duma premissa convencional e batida que não se
sustenta pelo próprio enredo inconsistente. Repleto de problemas, a película
lida com personagens fabricados sem o mínimo esforço de atribuir-lhes
verossimilhanças ou algum papel distinto do que lhes é rotulado, como é nítido
na figura dos malvados, arrogantes e autoritários militares que tratam a pobre
criatura como propriedade sua e fazem questão de enfatizar a respectiva postura
com o constante entoar de ridículas frases de efeito. O "grande"
antagonista da trama exemplifica bem o que foi dito, o estereótipo do homem mau
movido estritamente pelo ego, ódio e insolência, isento de quaisquer camadas
que autenticamente o humanizem ou justifiquem suas ações além do obvio senso
vilanesco. (SPOILERS A SEGUIR) Outra hedionda nequice diz respeito às inúmeras contradições
narrativas, como na cena em que a criatura apresenta hesitação e rispidez ao
primeiro contato com Elisa e, após, cercada por diversas pessoas que nunca viu
numa situação pouco convencional e de extremo estresse, o ser se comporta com
indiferente calma e simpatia, quando uma reação histérica e defensivamente
agressiva seria o natural.
A ausência de diligência do script ao lidar com
os relacionamentos que expõe também se destaca, especialmente entre Elisa e o
anfíbio humanoide que se dá de forma demasiado apressada e não permite que o
espectador sinta, se envolva e se convença da evolução daquela relação,
acarretando num vínculo compelido e de pouca química que rende momentos sacais
que se apoderam de nudez e sexo gratuitos e incongruentes (quem faz sexo com um
Homem-Peixe que você conhece não faz nem um mês? As tentativas de romantizar
esse "namoro" são jecas). Outro exemplo que evidencia a dissonância
do roteiro em trabalhar os elos entre seus personagens e a falta de genuinidade
da estória consta quando Giles, relutante em concordar com o plano de resgate
do animal marinho (plano executado com tamanha facilidade, visto que o prédio é
uma instalação do governo que habita um ser exótico que pode alterar o mundo),
logo muda de ideia - mudança impulsionada por motivos BANAIS, deve-se dizer,
que vai levá-lo a uma missão que pode LHE CUSTAR A VIDA - e se mostra reticente
para com a criatura, mas já na sequência seguinte desenvolve uma intimidade
infundada e irreal. Você aceitaria na sua casa, passivamente, um bicho
monstruoso e ainda interagiria com ele, sem a menor demonstração de medo ou
nervosismo? (FIM DOS SPOILERS)
Muitas das músicas que compõem a trilha sonora,
com direito a canção brasileira, são desarmônicas e modelam um grotesco
contraste com os eventos em tela, sendo o caso mais expressivo o da própria Chica
Chica Boom Chic (Carmen Miranda). As investidas cômicas são irregulares e
dispostas com insucesso. Os arcos menores, como o do Dr. Robert Stuhlbarg e da Zelda,
são irrelevantes e enfadonhos, apesar da personagem interpretada pela Octavia
Spencer ser a mais carismática de todo o filme, artifício que não pode ser
encontrado em Elisa, figura insossa vivida por Sally Hawkins que, embora tenha
de transmitir os sentimentos e emoções da persona apenas por gestos e
expressões (ela é muda), tem um desempenho dentro dos parâmetros exigidos ao se
incorporar uma pessoa com tal deficiência, uma atuação visando escancaradamente
o Oscar (a Academia adora esse tipo de performance), mas que não apresenta nada
de extraordinário. Ademais, todos os outros atores estão passáveis em seus papéis.
Clichê no explorar de suas vertentes
"reflexivas", o longa tenta impor, de forma barata e infrutuosa,
questionamentos acerca das diferenças entre um ser humano e o Homem-Anfíbio,
bem como procura salientar, por meio de "sutis" segmentos, a ótica
racista, homofóbica e machista da época, todas tentativas falhas e
discrepantemente introduzidas. O pano de fundo revestido pela Guerra Fria está
lá exata e somente para confecção de cenário, já que o plot sobre o mesmo
concernente a espionagem é banal e mal-aproveitado. Além, a película é
emotivamente manipulativa, induzindo covardemente o público a se afeiçoar pela
criatura por meio de torturas e fragilidades incumbidas à mesma. Ainda referente
ao animal marinho, o enredo é superficial ao misticismo que o envolve, imbuindo
especulativa e preguiçosamente habilidades injustificáveis a mesma com o único
intuito de embelezar e fantasiar o filme, convergindo num desfecho
"bonitinho", mas esperado, que soterra o impacto desejado e mais uma
vez contradiz determinados fatores lógicos.
Todavia, até durante a noite mais escura se é
possível encontrar o brilho de uma estrela. A maquiagem que concebe o
personagem humanoide é fantástica (embora a caracterização seja uma cópia
descarada de Abe, o Homem-Peixe de Hellboy), e o longa, apesar de todas suas
cincas, nunca estafa, embora o turbilhão de acontecimentos sejam
mal-ajambrados. A película consegue instigar seu público, é o típico caso da
novela ruim e de final obvio, mas que o espectador quer conferir com os
próprios olhos. Infelizmente essas poucas ressalvas não salvam a experiência.
A Forma da Água esbanja arquétipos e
previsibilidades, é incoerente, artificial e formulaico, um prato cheio para a
Academia, os autoproclamados “cinéfilos de mente aguçada” e os ditos
"profissionais degustadores da sétima-arte".
Matheus J. S.
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Me Chame Pelo Seu Nome
Ficha Técnica (Adoro Cinema):
Data de lançamento (Brasil): 01 de fevereiro de 2018 (2h 03min)
Ficha Técnica (Adoro Cinema):
Data de lançamento (Brasil): 01 de fevereiro de 2018 (2h 03min)
Direção: Guillermo del Toro
Elenco: Sally Hawkins, Michael Shannon, Richard
Jenkins…
Gêneros: Fantasia; Drama; Romance
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Adoro
Cinema):
Década
de 60. Em meio aos grandes conflitos políticos e transformações sociais dos
Estados Unidos da Guerra Fria, a muda Elisa (Sally Hawkins), zeladora em um
laboratório experimental secreto do governo, se afeiçoa a uma criatura
fantástica mantida presa e maltratada no local. Para executar um arriscado e
apaixonado resgate ela recorre ao melhor amigo Giles (Richard Jenkins) e à
colega de turno Zelda (Octavia Spencer).
Avaliação:
IMDb: 7,9
Rotten: 92%
Metacritic: 86%
Filmow (média geral): 4,1
Adoro Cinema (adorocinema): 5,0
Maravilhosa produção, todos os elementos deste filme estão muito bem cuidados. Michael Shannon fez um ótimo trabalho no filme. Eu vi que seu próximo projeto, Fahrenheit 451 será lançado em breve. Acho que será ótimo! Adoro ler livros, cada um é diferente na narrativa e nos personagens, é bom que cada vez mais diretores e atores se aventurem a realizar filmes baseados em livros. Acho que Fahrenheit 451 sera excelente! Se tornou em uma das minhas histórias preferidas desde que li o livro, quando soube que seria adaptado a um filme, fiquei na dúvida se eu a desfrutaria tanto como na versão impressa. Acabo de ver o trailer da adaptação do livro, na verdade parece muito boa, li o livro faz um tempo, mas acho que terei que ler novamente, para não perder nenhum detalhe. Sera um dos melhores filmes ficção cientifica acho que é uma boa idéia fazer este tipo de adaptações cinematográficas.
ResponderExcluirOi Luciana, obrigado pelo comentário. Nós aqui do Kontaminantes também adoramos ler e conferir as adaptações quando lançadas, tanto que no blog há as divagações dos livros Paciente 67 e It, bem como suas adaptações cinematográficas, além de outras mais. O próprio A Forma da Água foi produzido de forma concomitante ao livro de mesmo nome também escrito pelo del Toro. Já em relação ao Michael Shannon, ele realmente está bem no filme, assim como em outro recente longa: Animais Noturnos. Ademais, sei muito pouco sobre a adaptação do Fahrenheit 451, embora tenho conhecimento de que o livro se trata duma distopia com reflexões bastante interessantes, tomara que o filme as aproveite bem. Mais uma vez, obrigado Luciana!
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