Se a isenção de inovação foi o que denigriu a
qualidade de Deite Comigo (leia aqui), criatividade com certeza não foi o que faltou em O
Lagosta.
Premiado em Cannes e concorrente ao Oscar de
Melhor Roteiro Original, The Lobster, que estrou em 2015 no aclamado festival francês,
enquanto muito da cultura atual aposta em romances felizes e na união para com
o companheiro perfeito, o filme critica acidamente esta perspectiva partindo de
uma premissa insana que desconforta o preconceituoso e o conservador. Ousado e
original, o longa aborda uma sociedade futurista de princípios mentecaptos,
onde viver sozinho não é possível, ou seja, quem não arruma um parceiro acaba
transformado em um animal (sim, isso mesmo)! Considerando a trama absurda, o
mesmo questiona e ridiculariza, sarcasticamente, o senso comum de que todos tem
de viver junto de alguém, o que, como retratado na película, muitas vezes
acontece sem amor e apenas consoante a pressão social, além do equívoco de que
"almas gêmeas" têm de compartilhar similaridades. Ademais, o filme
exalta as supostas e pragmáticas importâncias e necessidades de se ter uma
companhia, isto é, banaliza o amor, o sexo, a intimidade, as emoções, os
sentimentos e a felicidade. Deve-se ressaltar que as consentâneas atuações
frias e robóticas corroboram brilhantemente para com as intenções do longa,
apresentar um mundo sistemático e morto governado por leis inadmissíveis que
exonera a humanidade do próprio ser humano.
Instigante, a película ainda arruma tempo para
incitar o pensamento relacionado a abordagens que remetem ao divórcio, solidão,
crueldade e desvalorização da vida, última que refere-se as pessoas
transmutadas que também salientam uma angústia no espectador conforme os
momentos anteriores ao trágico destino, afinal, saber que você irá se tornar um
animal não deve ser nada gratificante. Repleto de esquisitices, o filme já
denota este seu caráter peculiar durante os primeiros minutos, caráter que é
realçado posteriormente com a utilização de uma constante e cacofônica trilha
sonora que dialoga com esdrúxulos segmentos em câmera lenta, aspectos que
coordenam extrema singularidade à incomodação do público que é ratificada pelo
entrecho lancinante e estúrdio.
Estrelado por nomes de peso como Colin Farrell,
Rachel Weisz e John C. Reilly, todos intérpretes de personagens que possuem
funções de significância, o longa pode ser dividido em duas partes, quando a
segunda, ao explorar um bando de rebeldes, ironicamente contrapõe de certa
forma os ideais da primeira, abrangendo conceitos que repudiam a relação amorosa,
onde a persona vivida por Weisz é introduzida no enredo, se destaca
pertinentemente e se responsabiliza por um desfecho que foge do clichê e pasma
o espectador. Dirigido por Yorgos Lanthimos, um dos diretores, ao lado de
Michael Haneke e György Palfi, mais conceituados, exóticos e agudos da
atualidade, a película, genialmente concebida e comandada, caracteriza uma
postura ímpar que mescla a perturbação com o humor negro e o estranho com a
comicidade inteligente e provocativa.
Cult, bizarro, reflexivo e satírico, o filme,
mediante sua audácia e excentricidade, torna-se imprevisível, quesito que
contribui para com os méritos enfatizados, ademais de sublinhar um trabalho
magnífico que certamente não é direcionado para qualquer tipo de público e, embora possa ser um pouco chato de se assistir, é uma experiência intrigante e relevante. Talvez de difícil degustação, mas de bela apreciação perante olhos treinados e
de sensibilidade cinematográfica, O Lagosta, em suma, pode ser definido em um
adjetivo: inusitado.
Matheus
J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica
(Adoro Cinema):
Data
de lançamento (Brasil): 6 de maio de 2016 (1h 54min)
Direção:
Yórgos Lánthimos
Elenco:
Colin Farrell, Rachel Weisz, Jessica Barden…
Gêneros:
Ficção Científica; Drama; Comédia
Nacionalidades:
Grécia, Reino Unido, Holanda, Irlanda, França, EUA
Avaliação:
IMDb: 7,1
Rotten: 89%
Metacritic: 82%
Filmow (média
geral): 3,9
Adoro Cinema
(usuários/adorocinema): 3,4/4,0
Kontaminantes (Matheus J. S.): 9,5
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